"Desde o momento em que nascemos somos exploradores, num mundo complexo e cheio de fascínio. Para algumas pessoas, o interesse pode desaparecer com o tempo ou com as pressões da vida, mas outras têm a felicidade de mantê-lo vivo para sempre."
Gerald Durrell

Ciência no Jardim

'Desde o momento em que nascemos somos exploradores, num mundo complexo e cheio de fascínio. Para algumas pessoas, o interesse pode desaparecer com o tempo ou com as pressões da vida, mas outras têm a felicidade de mantê-lo vivo para sempre.' Gerald Durrell

Você sabe quanto de carbono seu jardim sequestra?

Como podemos ‘limpar’ nossa atmosfera de todo gás carbônico excedente? Há vários sequestradores de carbono, plantas são um deles. Sendo assim, todo jardim sequestra carbono. Mas, quanto carbono seu jardim sequestra?

Agapanthus africanus ou Agapanthus praecox?

Leigos e viveiristas identificam dois Agapanthus comuns nos jardins como Agapanthus africanus e Agapanthus orientalis. (...) Qualquer Agapanthus designado ‘africanus' no comércio de plantas é quase certamente Agapanthus praecox.

A margarida não é uma só flor

Quem diria que uma das flores mais populares de nossos jardins, a margarida, pertencente à família Asteraceae, e, portanto, parente dos girassóis, crisântemos, entre outras, não é uma só flor, mas a reunião de muitas flores?

Plantas que fogem do jardim

Parece estranho plantas ‘fugirem’ do jardim, mas é isso mesmo. Plantas podem escapar do cultivo reservado do jardim e invadir áreas de florestas e campos naturais, tornado-se uma grande ameça à biodiversidade.

21 de jul. de 2011

Teia de raízes

O que habitualmente admiramos em uma planta, é apenas a ponta de um grande iceberg. As plantas não têm apenas uma raiz, mas sim um intrincado sistema de raízes. 

De um modo geral, o raio ocupado pelas raízes de uma planta é de quatro a sete vezes maior que o raio ocupado pela sua parte aérea. Se pudéssemos enxergar através do solo, o que veríamos seria uma gigantesca teia de raízes sob nossos pés, abastecendo de água e nutrientes a parte do corpo da planta que admiramos na superfície.

As raízes exercem funções de absorção, condução de água e sais minerais, reserva e fixação da planta. A primeira raiz, ou raiz primária, de uma planta tem origem ainda na fase embrionária. 

A raiz primária pode continuar crescendo e se ramificar, formando um sistema radicular pivotante, profundo (1) ou superficial. Contudo, em algumas plantas, como nas gramíneas, a raiz primária tem vida curta e logo é substituída por inúmeras raízes adventícias. As raízes deste último tipo têm origem no caule e formam um sistema radicular fasciculado (2), um emaranhado de raízes que ficam na superfície do solo. 

Esses são os sistemas radiculares mais comuns entre as plantas (excluindo samambaias e espécies relacionadas). Algumas raízes, ou parte delas, tornam-se altamente especializadas em determinada função como armazenamento (cenoura), escoramento (Pandanus), fixação (filodendros) etc.

As raízes crescem em extensão a partir do ápice, pois é lá que estão concentradas as células-tronco(3) da raiz. É por isso que devemos ter tanto cuidado para não quebrar a ponta das raizes. Para proteger essa região delicada, ao mesmo tempo em que a raiz penetrando no solo, o ápice das raizes é coberta por um envoltório (4), que também controla a direção do crescimento (descendente ou em sentido contrário ao da luz). 

Como nas árvores, além do crescimento em extensão, as raízes também crescem em diâmetro (5). Alguns dos fatores que influenciam o crescimento das raízes, tanto em diâmetro como em profundidade, são a umidade, a temperatura e a composição do solo. As raízes podem ser danificadas pelo frio, seca, parasitas, patogênos, entre outros. Danos na parte aérea podem afetar as raízes e vice-versa. Quando se arranca uma planta, grande parte dos pêlos absorventes das raizes, responsáveis pela absorção de água e sais minerais, são perdidos.

No planejamento de um jardim, devemos tentar prever o crescimento das raízes, evitando assim problemas futuros com áreas edificadas, como piscinas e muros, além de estruturas subterrâneas, como a rede de água, luz e esgoto. O local escolhido para o plantio deve ter espaço suficiente para que a água e os nutrientes retornem ao solo constantemente e em quantidade suficiente para a manutenção da saúde da planta. É por isso que devemos evitar a impermeabilização do entorno de árvores, uma prática, infelizmente, ainda comum nas calçadas de muitas cidades. 

Lembre-se: as plantas não são responsáveis pelos estragos causados em calçadas, muros e outras edificações humanas, mas sim quem plantou mudas sem oferecer a elas as condições mínimas de desenvolvimento.


Notas:
(1) A maior raiz que se tem registro media 53 metros de profundidade.

(2) Fasciculado (do latim fasciculatus): que surgem de um mesmo local.

(3) Células com capacidade indefinida de divisão celular. Em botânica é mais comum o uso do termo células iniciais.

(4) O nome técnico para designar esse envoltório é coifa.

(5) Tecidos especiais, chamados de meristemas laterais, são os responsáveis pelo crescimento secundário das raízes.


M. Eiterer




5 de jul. de 2011

Néctar colorido


O nectário é uma estrutura secretora, que secreta néctar. Ele está presente nas flores ou em partes vegetativas, como folhas. Ele é oferecido como recompensa pelos serviços de polinização, prestados por alguns animais. No entanto, a produção de néctar é dispendiosa para a planta, o volume produzido por uma planta pode consumir até 37% de toda a sua produção fotossintética diária. Logo, néctar tem um importante papel nas interações entre planta e polinizador. Dessa forma, ele está sujeito a pressões seletivas, que podem ser impostas pelos próprios polinizadores, favorecendo, portanto, o surgimento e a manutenção de determinadas características, como por exemplo, cor.

Néctar é comumente caracterizado como sendo um líquido incolor. Contudo, a existência de néctar colorido já era conhecida desde a antiguidade, citado por Homero, em Ilíada (Livro XIXX, versos 37-39). Mas, ele só veio a ser descrito pela primeira vez pela ciência em 1785, pelo sueco Andreas Hesselius (1677-1733), na descrição de uma espécie de Aloe. Outras espécies foram descritas desde então, algumas com interpretações equivocadas ou publicadas sem o devido enfoque, ou em revistas obscuras.
Nesocodon mauritianus, produz néctar de cor vermelha.
Quase dois séculos depois do primeiro relato de Hesselius, uma espécie endêmica e ameaçada das Ilhas Maurício, Nesocodon mauritianus (Campanulaceae), foi descoberta e descrita pelo botânico irlandês Peter Wyse Jackson, no entanto a cor vermelha do seu néctar passou despercebida de Jackson. Em plantas herborizadas o néctar seco é de difícil interpretação, pois pode parecer apenas uma mancha colorida sobre a corola. A cor do néctar só pode ser percebida em plantas vivas. Entretanto, essa seria a espécie que despertaria a atenção dos botânicos para essa intrigante e peculiar característica do néctar.

Assim, 14 anos depois da descrição de Jackson, de Nesocodon mauritianus, Jens M. Olesen e outros, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, estudavam populações dessa espécie, nas Ilhas Maurício e cultivaram a espécie na Universidade de Aarhus. Foi então que descobriram que a cor do néctar  de Nesocodon mauritianus era vermelha e decidiram investigá-lo. Nessa época os pesquisadores acreditavam que essa era a única espécie com néctar colorido no mundo e que tal fato só ocorria nas Ilhas Maurício. Mas, Dennis M. Hansen, da Universidade de Zurique, na Suíça e colaboradores revisaram o assunto e descobriram que outras espécies de plantas em outras partes do planeta produziam néctar colorido. No Brasil, é conhecida apenas uma espécie que secreta néctar de cor azul, Schwartzia brasiliensis (=Noranteia brasiliensis, Marcgraviaceae).

Graças ao trabalho unificador de Hansen, sabemos hoje que néctar colorido surgiu independentemente e repetidamente em diferentes regiões geográficas, tropicais e subtropicais, em 68 taxas, 20 gêneros e 15 famílias de 13 ordens de angiospermas. Para os pesquisadores da Universidade de Zurique, esse padrão de convergência sugere a possibilidade de uma pressão seletiva comum, como a necessidade de um sinal honesto para os visitantes, permitindo que eles avaliem a quantidade de néctar na flor, antes de visitá-la e dessa forma ajustar seu comportamento. Os polinizadores observados em algumas dessas espécies são vertebrados. Aves, em Aloe e Schwartzia brasiliensis e, lagartos (Phelsuma), em Trochetia boutoniana (néctar vermelho) e, Trochetia blackburniana (néctar amarelo). 

Além de transparente, o néctar pode ter as cores: amarelo, azul, laranja, marrom, preto, vermelho e verde devido a presença de compostos secundários na sua composição química como: aurone em Nescodon mauritianus e antocianina Schwartzia brasiliensis. Compostos secundários podem mudar não só aparência, mas também o gosto e digestibilidade do néctar. Contudo, a função do néctar colorido nas outras espécies ainda não está esclarecida. Novas pesquisas devem ser conduzidas com outras espécies, para podermos entender a função e a evolução do néctar colorido.

M. Eiterer
Fontes
OLESEN, J. M., RØNSTED, N., TOLDERLUND, U., CORNETT, C., MØLGAARD, P., MADSEN, J., JONES, C.  G.  &  OLSEN, C. E. 1998. Mauritian red nectar remains a mystery. Nature 393: 529.
HANSEN, D. M.; OLESEN, J. M.; MIONE, t.; JOHNSON, S. D. & MÜLLER, C. B. 2007. Coloured nectar: distribution, ecology, and evolution of an enigmatic floral trait. Biological Reviews vol. 82, pp. 83-111.
SAZIMA, I., BUZATO, S. & SAZIMA, M. (1993). The bizarre inflorescence of Norantea brasiliensis (Marcgraviaceae): visits of hovering and perching birds. Botanica Acta 106, 507–513.