"Desde o momento em que nascemos somos exploradores, num mundo complexo e cheio de fascínio. Para algumas pessoas, o interesse pode desaparecer com o tempo ou com as pressões da vida, mas outras têm a felicidade de mantê-lo vivo para sempre."
Gerald Durrell

11 de dez. de 2010

Néctar: água, açúcar e uma pitada de...

Flor de Ceiba speciosa (Malvaceae)


À medida que as investigações em torno da interface planta/polinizador progrediam, alguns pesquisadores se voltaram para o estudo da composição química do néctar. Um trabalho pioneiro nessa área foi realizado por Gaston Bonnier (1853-1922), botânico francês que quantificou os diferentes tipos de açúcares presentes no néctar de algumas flores. Boa parte do que sabemos hoje sobre a composição química do néctar deve-se, porém, ao amplo e meticuloso trabalho do casal Baker - os ingleses Herbert G. Baker (1920-2001) e Irene Baker (1918-1989) [1].

Sabemos hoje que o néctar é primariamente uma solução energética, composta de água e açúcares (sacarose, frutose, glicose). Mas não é só isso: trata-se de uma solução energética devidamente temperada... A proporção dos diferentes tipos de açúcar, a concentração de cada um deles e a quantidade total de néctar são algumas das características que variam de acordo com a espécie de planta [2]. E é em parte graças a essa variação que flores de plantas diferentes tendem a atrair conjuntos mais ou menos distintos de polinizadores.

Flores com néctar rico em sacarose, por exemplo, atraem principalmente abelhas, mariposas, borboletas e aves, enquanto flores com néctar rico em frutose ou glicose atraem outras espécies de abelhas e moscas. A concentração de açúcares (i.e., a quantidade de açúcar presente por unidade de volume de água) determina a viscosidade do néctar e isso também influencia a identidade dos visitantes. Abelhas, por exemplo, preferem néctar mais viscoso, enquanto borboletas e beija-flores preferem néctar mais aquoso. Por sua vez, a quantidade de néctar influencia tanto a identidade como o tamanho dos visitantes. Como regra geral, flores que produzem grandes quantidades de néctar atraem os polinizadores de maior porte.

Além de açúcares, sabemos agora que o néctar contém também uma rica e variada gama de substâncias químicas, como aminoácidos, proteínas, lipídios, antioxidantes, minerais e vitaminas, além de algumas toxinas. Mas ainda sabemos relativamente pouco sobre o papel dessas substâncias e suas implicações na polinização. Os aminoácidos, por exemplo, parecem ser importantes como complemento alimentar para animais que necessitam de uma dieta rica em proteínas, como é o caso de borboletas e moscas. Os antioxidantes podem estar presentes a fim de evitar a oxidação e, conseqüentemente, a degradação de outros componentes importantes do néctar. Por sua vez, alguns tipos de proteínas parecem agir na proteção da flor contra o ataque de fungos.

Mas como explicar a presença de substâncias tóxicas no néctar: afinal, por que adicionar toxinas na composição química de um líquido produzido para funcionar como atrativo? Uma explicação plausível, seria a seguinte: a presença de substâncias tóxicas, como ocorre no néctar das flores da datura (Datura, Solanaceae) e do rododendro (Rhododendron, Ericaceae), é um modo de evitar a ação de
pilhadores oportunistas. Isso também ocorre com as flores da catalpa (Catalpa speciosa, Bignoniaceae), cujo néctar é rico em toxinas que inibem a ação de formigas nectarívoras, embora essas mesmas substâncias não façam qualquer mal aos legítimos polinizadores.

Para finalizar, um breve comentário antropocêntrico: a presença de algumas dessas outras substâncias no néctar (além de água e açúcar) é responsável pelas diferenças que nós, seres humanos, percebemos no sabor e na cor do mel.
M. Eiterer & Felipe A.P.L Costa* 

Notas
(*)Felipe A.P.L Costa é biólogo meiterer@hotmail.com, autor de Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas (2003) e A curva de Keeling e outros processos invisíveis que afetam a vida na Terra (2006).

1. Sobre as influências científicas do casal Baker, ver Bock, J. H. & Linhart, Y. B., eds. 1989. Evolutionary ecology of plants. Boulder, Westview Press.

2. Ver Baker, H. G. & Baker, I. 1983. A brief historical review of the chemistry of floral nectar. In: B. Bentley & T. Elias, eds. The biology of nectaries. NY, Columbia University Press.


M.Eiterer é bióloga/botânica. Adora jardins e plantas desde crianças, já plantou tantas árvores que perdeu a conta.Escreve também para o blog Aves de Viçosa. Leia o perfil completo.

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